inspiras-me sempre

E quando abri os olhos só vi azul. Um azul lindo, translúcido, azul reflexo de água, cristalino. Mas o reflexo vinha da minha pele, de mim como se eu fosse toda azul por dentro, como se ao invés de sangue e entranhas fosse toda feita de transparências azuis.
E vi que onde a minha pele tocava a tua o azul se tornava luz clara e brilhante, e a cada respiração nossa a luz invadia o azul tornando-nos luz.
Levantei-me. O azul diminuiu mas acompanhava-me nas deambulações matinais, preparativos de dias corridos. Mas cada vez que olhava para ti o azul emergia dos meus poros, reflexo.
Durante o dia o azul foi diminuindo, devagar, entre telefonemas e problemas e questionários e dúvidas e soluções encontradas na pressão da maratona do meu quotidiano. Mas cada vez que olhava para a tua fotografia a minha ligação visceral com este azul fortalecia-se um pouco mais.
Ao almoço as certezas alheias levaram-me o azul quase todo. Foi-me arrancado o azul como se o meu azul fosse cocaína de terceiros. Ao ver escapar-me o meu azul vi crescer as luzes dos egos de outros. Cordão umbilical parasitário, não me conseguia libertar desta exploração não solicitada de mim.
Na casa de banho olhei ao espelho e o azul cresceu de novo. Fechei os olhos, vi a minha imagem e vi o azul a nascer de mim mais e mais forte, maior, sem fim. Quando abri os olhos a minha imagem imaginária respondeu-me com um sorriso. E pensei que extraordinário, estas são as minhas pernas, as minhas mãos. Tudo isto é lindo e é meu e de mais ninguém. Este sorriso é meu, estes olhos são os meus, claros e meus.
Quando cheguei a casa e olhei para ti vi o teu azul a crescer de encontro ao meu.
Num abraço que me pareceu um retorno antigo, fundimos-nos numa luz clara que nos inundou os azuis e explodiu à nossa volta em mil outras cores.

2 comentários:

  1. A cor da tinta permanente usual nas canetas Montblanc. A cor do registo do manuscrito. A cor do ensopado do mata-borrão. Enfim uma textura de tinta da escrita criativa "à la main", sem recurso tipográfico, nem informático... e em AZUL.

    do amigo Roumier

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  2. Estou sem palavras elaboradas, a não ser um mero obrigada.

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