it changes when the sun goes down

A música batia-me bem alto no peito, pulsava-me nas veias enquanto abanava o corpo inconscientemente, perdida entre em nevoeiros de álcool cigarros e suor, cheiros estranhos à minha volta.
As peles tocavam-se sem parar, sem tréguas, tudo igual, sem tabus nem receios.
Os olhares eram sempre profundos, mesmo quando não queríamos, e muitos corações eram partidos só com um levantar de pestanas insensato.
Os rímeis escorriam pelas caras suadas de energia e choros nas casas de banho à velocidade da luz.
Romances feitos à pressa entranhavam as unhas nos meus braços, posses nocturnas inconsequentes que deixavam as marcas que conseguiam onde conseguiam e como podiam.

Manifesto


Comemorar a Revolução dos Cravos de há uns anos para cá, faz-me sempre pensar demais no estado em que estamos a deixar o nosso jardim que um dia foi de Éden, certamente. País com actual lotação esgotada de charlatões e charlatonas...
O fenómeno global da massificação da estupidez que aqui encontra grande eco, conseguido maioritariamente através de meios de informação sem nexo, que educam há décadas gerações de ignorantes, social, historica e politicamente, e de um sistema de ensino que de ensino tem pouco, vive apenas da repetição de conceitos ultrapassados. O povo português segue entusiasmado os dramas dos vampiros adolescentes e revolta-se contra o Governo, por tudo e por nada, sem nunca perguntar o que foi um dia perguntado por quem inspirou milhões: ask not what your country can do for you - ask what you can do for your country
Desresponsabilização levada ao limite, individualismo assustador, quando juntados com uma crise económica que, se bem me lembro, dura desde 1992, e uma desmotivação generalizada quanto aos fundamentos da própria existência moderna estão a criar carneiradas desmotivadas que seguem o pastor só porque não sabem pensar por si mesmos, e quando o sabem, raras excepções, têm medo da diferença, medo de falhar, medo do medo que têm...
Neste dia, cada vez mais é preciso coragem para acordar, para assumir, para enfrentar, para solidarizar...
To come together, right now!

ceci n'est pas une pipe

Dúvida existencial: o que fazer quando o barulho que nos enche o dia-a-dia abafa o nosso instinto? Como distinguir o que é real das metáforas que inventamos para tornar a rotina suportável? Como é que percebemos o que devemos ouvir? Medo, culpa, insegurança, sentimentos de protecção, hábito, comodismo, serão estas manifestações de memórias enterradas, o subconsciente a mostrar-nos padrões de comportamento conhecidos e seguros, ou são raciocínios lógicos a puxarem-nos para safe zones?

O que nos leva a não arriscar e acabar a viver com sonhos? Razão, ou medo?

being cool is...


Daqui: http://aconversationoncool.tumblr.com/

happy days!

De repente Lisboa está menos cinzenta!

segredos

Todos temos um segredo que não contamos. A ninguém. Nunca. Às vezes é qualquer coisa tão simples como qual é o nosso maior sonho, aquele que julgamos inalcançável. Outras vezes são medos antigos, bem enraizados, que cresceram connosco à volta das veias e músculos, tão nossos que parece que não os podemos remover sem cirurgias invasivas e, sem dúvida, dolorosas. As máscaras que usamos são impostas para os esconder, para ninguém ver aquilo de que realmente somos feitos, porque pensamos que se nem nós conseguimos ver de frente os nossos segredos, os outros podem assustar-se e ficamos sós neste mundo frio.
O mais engraçado é que se algum dia confiarmos em alguém, esses segredos serão a melhor coisa que temos a partilhar. Se retirarmos as máscaras, como quem tira as camadas de uma cebola - metáfora fácil - podemos até chegar a descobrir que gostamos muito de quem somos e que não precisamos de ter mais medo. De quem somos mesmo, e não de quem nos fomos tornando para agradar a esse mundo frio que nos deixaria sós caso falhássemos alguma das suas regras e obrigações. O difícil é mesmo confiar em alguém, sobretudo em nós.
E um dos meus maiores segredos é também um dos meus maiores sonhos, inalcançável em absoluto. Adorava saber cantar o que escrevo, alto, bem alto, para uma plateia gigante. Não esconder mais o som da minha voz, as palavras que me enchem a alma e o juízo… Saber conjugar palavras e sons harmoniosos, saber encantar uma plateia. Partilhar com outros o que o meu corpo sente quando escrevo, quando não fujo ao que me sai das mãos, quando sinto sem a consciência aguçada e crítica da vergonha, do aceitável.
Ou seja, sem metáforas, o meu maior sonho é viver sem medo, sem vergonha, sem a limitadora consciência do que os outros esperam de mim, daquilo que devo cumprir, atingir, conquistar, fazer. Sem lutas.
E fazer apenas o que eu quero…

opinião

Chegou o momento de eu dar uma opinião, que tenho muitas e a maior parte são boas – ou assim me parecem.

Hoje tive uma epifania, desta feita não sobre o que escrevo, mas mais com o país onde vivo.

Eu adoro Portugal, por tudo e por nada. Um dos nadas é sem dúvida o potencial do País. Este é um País com um enorme potencial. Temos as paisagens mais bonitas, o clima mais temperado, a gastronomia mais saborosa e simples... e o que é que fazemos com todo esse potencial? Nada! Ou pior, estragamo-lo e tornamos o que poderia ser bom numa confusão, complicação, num marasmo...

Já tentaram pedir uma informação por telefone, a uma entidade pública? Hoje em dia já não há contactos directos, por isso tem que ser através das "linhas azuis" (ou verdes, depende do mood do momento). Mas depois na linha azul ou verde fazem gracinhas como mandarem as pessoas ir perguntar a mesma coisa, mas ao balcão. ‘E não me vão dar a mesma informação que a senhora?’, perguntei eu em semi-inocência ‘Não, porque nós aqui somos o atendimento informativo’.
Ahhh, claro, percebo perfeitamente, nem é preciso dizer mais. Se no atendimento informativo não sabem a resposta, peça-a em pessoa ao balcão, em que serviço não sabemos, mas ao balcão por definição sabem sempre mais do que ao telefone porque o telefone baralha as informações do atendimento... É tecnologia a mais, claro...

Também percebi, generalizando claro, que o Português que fica em Portugal (os cérebros fogem) é um ser inerentemente complicado, passivo e conformado.

Está frio em casa? Não há problema, põem-se mais umas camisolas ou mantas e acende-se o aquecimento, não interessa que o motivo para o frio dentro de casa seja um essencial e básico mau isolamento, não vale a pena refilar, nunca resolvem nada... Não gostas do que fazes? Aguenta, porque é mesmo assim... Queres mudar de emprego e fazer something completely different? Não pode ser, e o que é que as pessoas vão dizer? Ainda por cima essas coisas esquisitas não dão dinheiro, e o importante, todos sabemos, é o dinheiro!

E assim vamos vivendo, conformadinhos ao que temos, a sonhar com o que não temos e gostávamos de ter, sem a menor ideia de como lá chegar porque tudo é complicado, difícil e, normalmente, baseado em cunhas, contactos ou conhecimentos... Então agarramo-nos a este ópiozinho limitador “é mesmo assim”.

Mas assim como?
Quem disse que era assim?
Quem decretou que independentemente do que queremos temos que viver com o que nos dão, de esmolinha, e ficar agradecidos, a cavalo dado não se olha o dente?
Quem mandou sermos todos iguais, cinzentos?
É porque faz muito sol em Lisboa? Olhe que mão caro amigo, cada vez menos.
É para não confundir as pessoas? Mas se calhar as pessoas precisam de ser confundidas, de sair da sua urbano depressão mais do que uma semana por ano no Algarve.

É preciso acordar! Tanto quanto sabemos só temos uma vida, e a qualquer momento ela pode acabar, ninguém tem garantias de quando vai morrer!

Cada dia é único apenas por ser aquele dia, cada passo é uma escolha apenas por ser um passo!

O que está à nossa frente é muito simples: queremos viver, ou ir vivendo?

Happy event

Quando abriu os olhos pela primeira vez só viu uma luz imensa e desatou a chorar. Mas que raio era isto? Porque a tiraram de onde estava, da sua casinha, quentinha e aconchegante, onde estava rodeada daquele líquido suavezinho e espesso, para a deixarem aqui ao frio, sem nada à sua volta que a protegesse? Mas que diabo de criaturas malvadas podia fazer isto a um pobre ser indefeso, que mal abria as pálpebras e cuja única forma de comunicação eram uns inofensivos balidozinhos?
Mas de repente embrulharam-na numa coisa quentinha e aconchegante, que lhe lembrou o líquido da sua casinha perdida, e pousaram-na num sítio molinho, que mexia e lhe fazia umas cócegas no braço.
Já sem chorar, abriu os olhos mais uma vez e viu a coisa mais bonita que alguma vez tinha visto. Não sabia bem o que era, mas olhar para ela fazia-a sentir-se muito bem, como se tivesse voltado para a sua casinha. A esta coisa linda linda juntou-se outra, maior e diferente, e então percebeu que este lugar era ainda melhor que a sua casinha, e já calma, fechou os olhos e adormeceu, aconchegada ao colo da sua mãe, sob o olhar embevecido dos recentes Pais.

podia ter acontecido

Freneticamente abria os braços e voltava a baixá-los desencorajada. A sua cara marcada estampava um contagiante desespero, qual Medusa de tempos ditos modernos.
Tinha os cabelos pretos compridos emaranhados, e à cintura uma velha bolsa coçada, pendente sobre a saia comprida que parecia um dia ter sido encarnada. Nos pés restavam tiras do que poderiam ter sido sapatos, quem sabe, e o peito trazia coberto apenas com o que poetas melhores cantariam como fina cambraia encardida. As faces escuras, sujas de séculos de podridão herdada, estavam por ora rosados de angústia.
Nenhuma das centenas de pessoas apressadas que nela tropeçavam ousava desviar o olhar do caminho pré estabelecido, assustadas pelos gritos de dor que ia soltando. Pegar-se-ia pela caridade?
Finalmente um bom samaritano de outros tempos aproximou-se daquele aflito embora estranhamente belo animal, depois de calmamente ter bebido a sua bica na improvisada plateia.
Após várias tentativas goradas de contacto, o nosso bom samaritano compreendeu finalmente que alguém lhe arrancara o filho bebé das mãos, e o levara para parte incerta, mesmo ali onde se encontravam, e ninguém fizera um gesto redentor... Nem mesmo ele...

associações 2

Doem-me as costas, os olhos, de fixar continuamente este ecrã não táctil à espera de absolvição ou de solução, indiferente a que vier, só é preciso buscar algo, ininterruptamente, estímulos imediatos sem nexo, manter a cabeça ocupada, porque parar é morrer.
Para quem, pergunto-me eu?
Morrer não será dar de nós bocados insubstituíveis em troca de prazeres momentâneos, fugazes fugas para a frente, para não pensar muito, que isso faz mal, é sinal de desocupação, porque depressões se curam com trabalho... E quando a causa da mesma for esta malfadada cura? Quid?
Mudar é preciso, sempre!

excepção à regra

Nunca tinha casado, nunca tinha tido filhos, nunca tinha comprado uma casa nem tinha aderido a qualquer health club em busca da vida ideal. Nunca tinha ganho qualquer prémio, nunca tinha tido um salário acima da média e nunca tinha sido promovida a um cargo de sonho. Não tinha imensos amigos nem saía à noite todos os fins-de-semana em serões memoráveis.
Mas era feliz. Tinha a perfeita noção que ela não era nada daquilo que a sociedade exigia como requisitos mínimos de felicidade garantida. Era rechonchuda, tinha celulite, tinha cabelos brancos que não pintava. Não se vestia à moda e raramente comprava roupa nas Zaras deste mundo. E era feliz.
Não ia jantar aos restaurantes badalados que faziam o objecto das descrições animadas dos jantares das suas amigas, não tinha o nome nas guest lists dos bares da moda da capital, não era convidada para as Lisbon Fashion weeks ou afins. Não fazia férias em Courchevel nem na Sardenha. Não era alvo das máquinas dos fotógrafos das revistas cor-de-rosa e ninguém tinha qualquer curiosidade em saber com quem é que ela tinha tido romances fugazes.
E no entanto se alguma vez lhe perguntassem do que sentia verdadeiramente falta, ela responderia com um sorriso sincero, ‘nada’.
Tinha tudo o que queria ter na vida. Sentia-se verdadeiramente abençoada por estar viva. Achava aliás bastante ridículo a maneira como toda a gente andava sempre a correr para ter mais qualquer coisa. Quando alguém lhe contava entusiasmado como tinha comprado aquele gadget do momento, ou como tinha encontrado o homem dos seus sonhos, ou como tinha tido um aumento, ou uma promoção, tinha alguma dificuldade em entender a razão de tanto exaltamento. E sorrindo interiormente, tinha a certeza que quem era verdadeiramente realizada era ela, que comia o que queria, fazia o que queria e não sentia necessidade desses mesmos gadgets, homens de sonhos caducos, aumentos ou promoções.