podia ter acontecido

Freneticamente abria os braços e voltava a baixá-los desencorajada. A sua cara marcada estampava um contagiante desespero, qual Medusa de tempos ditos modernos.
Tinha os cabelos pretos compridos emaranhados, e à cintura uma velha bolsa coçada, pendente sobre a saia comprida que parecia um dia ter sido encarnada. Nos pés restavam tiras do que poderiam ter sido sapatos, quem sabe, e o peito trazia coberto apenas com o que poetas melhores cantariam como fina cambraia encardida. As faces escuras, sujas de séculos de podridão herdada, estavam por ora rosados de angústia.
Nenhuma das centenas de pessoas apressadas que nela tropeçavam ousava desviar o olhar do caminho pré estabelecido, assustadas pelos gritos de dor que ia soltando. Pegar-se-ia pela caridade?
Finalmente um bom samaritano de outros tempos aproximou-se daquele aflito embora estranhamente belo animal, depois de calmamente ter bebido a sua bica na improvisada plateia.
Após várias tentativas goradas de contacto, o nosso bom samaritano compreendeu finalmente que alguém lhe arrancara o filho bebé das mãos, e o levara para parte incerta, mesmo ali onde se encontravam, e ninguém fizera um gesto redentor... Nem mesmo ele...

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