Lá ia ela pelo terminal do metro, a abanar a anca como se ainda estivesse na praia, ponderadamente inconsciente do efeito que causava ao passar, aliciante odor de sol e mar que se espalhava pelas alvas catacumbas. Ia murmurando entre dentes uma qualquer música que egoisticamente ouvia, levantando por vezes os olhos encarnados do sal, devagar, sem pressas.
Entrou no comboio à minha frente, ficou em pé, encostada ao poste, flirtando com as pulseiras várias que trazia nos pulsos e com os longos cabelos que lhe caíam pelo peito.
Senti-me completamente hipnotizado por tanta ingénua perversão, não conseguia tirar os olhos desta sereia suburbana, certamente oriunda dos meus mais íntimos pesadelos, que se mantinha altiva e alheia ao meu insidioso exame.
De repente, sem qualquer espécie de aviso prévio, as luzes do comboio baixaram para permanecermos numa acolhedora penumbra, e a carruagem encheu-se de fumo rasteirinho. Ficámos só nós os dois, o mundo tinha desaparecido, e o comboio andava cada vez mais depressa, sem sinal de preocupação com eventuais paragens.
Ela olhou para mim, desta vez de frente, e a música que só ela ouvia ecoou inesperadamente nos meus ouvidos, enquanto ela languidamente mexia no cabelo, atirando os longos cachos para trás das costas, sem nunca desviar o seu olhar sonolento do meu. Com uma mão no poste começou a dançar, contorcendo-se só para mim, em poses lentas, sem pressas.
Largou o poste e pé ante pé, no mesmo ritmo suave, dirigiu-se a mim, pousando uma mão sobre a minha perna, a outra no meu ombro, aproximando a boca sabor a cereja do meu ouvido, e murmurou roucamente “acorda”...
- Acorda! É a nossa paragem!
Lá estava ela, à minha frente. Envergonhado da triste figura que sem dúvida teria feito a sonhar, baboso, baixei os olhos ao passar perto dela, sem antes reparar no fugaz piscar de olhos que me ofereceu com um sorriso a meia haste.
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