Quando vim da serra cá para baixo tinha 13 anos. Nunca tinha visto o mar, só as ribeiras ao pé de casa, onde o meu pai levava as ovelhas a pastar quando era cachopa, depois ficou sem as ovelhas e teve que ir trabalhar para a fábrica, onde se embalava a água. Na altura não entendia porque é que a água era embalada assim, então as pessoas não podiam ir buscar a água às fontes como nós íamos? Ou abrir furos como os meus pais fizeram quando finalmente puderam construir a nossa casinha lá ao pé da aldeia? Depois de vir para a cidade grande percebi, aqui não há terra para furar, nem fontes de onde brote água tão límpida como as das nascentes na serra, onde podemos mergulhar a cara toda nos dias de verão e sentir o líquido gelado escorrer-nos pelo pescoço…
Depois de vir para a cidade grande tive que me acostumar a coisas tão estranhas como a ir buscar ao supermercado alfaces já ensacadas e fininhas fininhas como se fossem feitas daquele papel vegetal com que a minha mãe fazia as lérias lá em casa, ensinada pela minha tia cozinheira do convento. Acostumei-me também, apesar dos meus lamentos, àqueles papo secos que se desfazem mal se lhes pega, de crosta mole e meia empapada… Ainda tenho tantas saudades daquele pão áspero que a minha mãe tinha sempre pronto de manhãzinha, nem sei bem se aquela santa alma alguma vez dormiu. Também tenho muitas saudades das festas lá em casa, na consoada era ver a minha mãe com as minhas tias e a minha avó, saiotes em rodopio contínuo como nos bailes dos sábados, atarefadas à volta do velhinho fogão a lenha entre sopas, bacalhau, filhozes e afins...
Mas o que nunca me acostumei aqui na cidade grande é a esta pedra gelada da calçada que esconde a terra como se aqui não fossemos todos animais como os outros…
Bela e grande imaginação!
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