- E já agora, porque é que acabei assim, hás-de me explicar. Velho, feio e pobre, sempre tão sozinho – murmurou o velho, de cabeça baixa, olhos fixos nos pés envoltos em farrapos igualmente velhos que um dia terão sido, imaginemos, sapatos.
- Já te disse que eu não contribuí para isso. Foi tudo escolha tua. Já andámos às voltas com esta conversa, para quê é que me perguntas sempre o mesmo?
- Esperança que me digas alguma coisa diferente... Isto não pode ter sido tudo escolha minha... Não me lembro de ter escolhido beber até à exaustão todos os dias, andar pelas ruas em farrapos a pedir esmolinha, faça frio ou sol, a eternos transeuntes a quem só vejo as pernas, com sorte as mãos... Não escolhi ter sido esquecido pelos meus, lá da terra... – respondeu o velho, tristonho enquanto coça a barba castanha não de cor, mas de sujidade já inata.
- Ah não? E quando vieste para a cidade trabalhar? Não foste tu que escolheste não ir acabar a escola à noite? Bem que me lembro das vezes que te tentei dizer isso, nunca ouviste. E quando batias na tua Maria, quantas vezes não te avisei que ela qualquer dia te deixava? Também nunca ouviste... Sempre bêbado, apesar de todos os esforços que fiz para afastar a garrafa da tua boca. Preguiçoso ingrato! Velho casmurro! Tu escolheste tudo o que te era mais fácil para ti em todas as alturas!
- Tens razão... – disse o velho, começando a chorar inconsolavelmente, aquietando-se aos poucos enquanto se embalava para a frente e para trás. – Mas estou tão sozinho... Ninguém para falar...
- Tens-me a mim! Nunca te falhei pois não? Porque é que te ia falhar agora?
- Não percebo porque é que está toda a gente a olhar para nós.... – disse de repente o velho finalmente levantando os olhos do chão – Achas que temos alguma coisa na barba?
- Não ligues, já sabes como é a gente. Anda mas é daí que temos que sair nesta paragem
E assim lá foi o velho, saindo do metro cambaleando no seu casaco comprido coçado do tempo e da fria calçada onde se deitava, sempre a falar para o enorme vazio que o rodeava.
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