Arrasto-me durante as aulas da manhã. Antes de vir para o liceu pus duas cartas na estação dos correios ao lado de casa, uma para os meus pais e outra para ele. O culpado de tudo. Claro que ele não vai poder lê-la, mas quero que os pais dele a leiam quando estiverem a chorar pelo fim da miserável vida que geraram. Quero que eles saibam que ele foi o causador de tudo isto, que se ele estivesse calado nada disto tinha acontecido. Ele era o motivo, o fim, a razão, e quero que todos saibam disso e percebam que ele não merece qualquer lágrima que por ele seja vertida.
Eu ia só revelar-lhes as consequências do que fizeram, era apenas a mão divina que lhes traria o merecido e justo castigo! Tantas vezes rezei à noite para que a tortura acabasse, para que eu pudesse ir ao liceu pelo menos um dia sem ter que me defender daquele círculo infernal. Implorei tantas vezes por absolvição do pecado maior e desconhecido que fez cair sobre mim esta punição diária. Mas nunca tinha tido qualquer resposta às minhas preces. E de repente percebera claramente que temos que ser nós mesmos a responder às nossas próprias preces, a trazer para nós a força dos céus contra os ímpios. Pecadores sem contrição. Sou o veículo da fúria sagrada, devida e esperada.
As armas pesam-me no cinto, e o casaco comprido desajustado deste calor traz a mim os olhares dos que sofrerão a minha raiva. Tento recordar-me de cada um deles para ter a certeza que hoje não escapam. Lobos em pele de carneiro, crueldade adolescente sem justificação possível, psicologia barata não os salvaria. Hoje não. E não de mim.
À hora do almoço, no fim da última aula, levanto-me para ir fechar a porta da sala para começar a espalhar ao meu redor a força da merecida fúria mas sou agarrado por uma mão que me toca no ombro.
- Boas férias Carlos! – ouço alguém dizer com uma voz ensolarada. Ela sabe o meu nome! Sem saber porquê respondo, fraco, “obrigado”, e saio da sala para o corredor barulhento de miúdos quase em férias grandes e descoberto do meu plano, com o coração tremendo, sorrio.
Afinal, é o meu último dia de liceu, a faculdade prevê-se menos agreste, para quê perder tudo agora… Ela até sabe como me chamo…
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