Tinham passado vinte e cinco anos. Perdera a conta ao número de dias e horas e minutos que tinha passado encaixado naqueles muros. Sempre os muros, as paredes, as grades, o pavimento sujo de porcaria que não saia, de cheiro a lixívia barata despejada sem cuidado pelos móveis com um fingimento óbvio de sanidade, não mental, seguramente nunca mental, essa tinha-a perdido no dia em que tinha ouvido a leitura do acórdão.
Vinte e cinco anos de convivência diária com pessoas que não conhecia, que não queria conhecer, que conseguiu nunca conhecer. Nunca quis rever-se naquelas caras destruídas, imundas de psicoses mal resolvidas, de histórias sempre iguais e nunca as mesmas, de passados impuros que tentavam lavar com a mesma lixívia que usavam para as paredes, barata, sem nexo nem razão.
Olhou uma última vez para trás, enquanto pegava no saco gasto e usado. Ninguém o vinha buscar, não tinha ninguém nesta vida, os seus pecados antigos tinham-se certificado disso. Todo o mal que tinha feito tinha-o pago ali dentro, vinte e cinco anos ali dentro, na mesma cama, na mesma cela, sempre na mesma.
Abriram-se os pesados portões que o levariam dali para fora. Olhou para os seus pés, um em frente ao outro foi seguindo pelo caminho já percorrido tantas vezes por tanta gente, nunca por ele, nunca para sair. Nunca pediu para sair, nos primeiros anos por vergonha, nos seguintes por hábito, e por fim porque achava que não aguentaria estar lá fora sabendo que teria que voltar ao fim do dia ou da semana.
Pronto, já estava lá fora. Olhou em frente, tanta luz, tanto barulho, tanta gente diferente, tantas cores berrantes, carros a buzinar e sons que não entendia. Sentiu-se tonto, o que fazer agora, para onde ir? Tinha pensado tantas vezes ir comer um bom bitoque, beber uma imperial, fumar uma cigarrada numa esplanada ao pé do rio. Comprar um jornal, ir ao estádio ver o seu Benfica, ir às meninas do Cais do Sodré…
Deu meia volta e voltou para trás. Largou o saco no chão e gritou bem alto para o deixarem entrar.
Muito bom
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