dessintonias

Ele chegou a casa com a mesma cara. Sem vida. Sem alegria. Sem a ver. Beijou-a como quem beija uma fotografia, sem alma. Refugiou-se no trabalho enquanto ela fugia para a televisão. A seguir falaram sobre o jantar. Ela fez o jantar de má vontade, talvez com estricnina na sopa ele reagisse. Podiam sempre discutir, ultimamente pareciam ser as únicas alturas em que falavam.
Deitaram-se, de costas voltadas. Ela ainda murmurou amo-te enquanto lhe tocava nas costas, sem saber se o sentia, se o queria sentir, ou se alguma vez o tinha sentido. Sabia que sentia falta do calor de estar apaixonada, de ser amada, de ser profundamente aceite. Queria só sentir-se menos gelada, menos despida. Menos só ao lado de alguém.

Ele chegou a casa. Casa que não parecia casa, não tinha amor, era cobrança em cada taco de madeira. Gritava-lhe ‘isto é a tua vida, habitua-te, esquece tudo o resto, isto é o que és’. Olhou para ela, não a viu. Viu apenas cobrança. Viu olhos que gritavam ama-me, por favor, aquece-me, e quis fugir. A ele ninguém o tinha aquecido, não tinha nada para dar, sobretudo a ela que na sua insegurança era o espelho dos seus medos.
Deitou-se, de costas para ela. Por favor não me toques, não me atraias para essa espiral de angústia que não me larga. Ouviu baixinho amo-te mas o que entendeu foi porque não me amas? Só queria dormir, esquecer e fugir para bem longe.

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