Abri a porta. Olhei à volta. Tudo arrumado em caixas e estantes e armários e arquivos e dossiers. Todas as coisas tinham um lugar certo, estava tudo centrado e enquadrado, não havia nada de viés nem fora do seu lugar.
Adequado, era o que aquilo era, extremamente adequado.
Respirei fundo, olhei para as minhas mãos, tão estranhas e vivas no meio de tanta ordem e silêncio. Senti uma enorme angústia apoderar-se delas, estavam dormentes, formigueiros iam subindo pelos meus braços.
Something’s got to give.
Nesse minuto percebi o que tinha de fazer.
Peguei na primeira moldura e atirei-a ao chão. O vidro não se partiu, pisei-o, certifiquei-me que estava bem partido, bem desfeito. A seguir foram as canecas, todas em estilhaços para a parede. A minha colecção de tantos anos em bocadinhos pequeninos, que giro parecem feitas de papel. Atirei todos os dossiers para o chão, rasguei todos os papéis, despejei todas as caixas, parti tudo o que podia ser partido, desfiz o que não consegui partir. Atirei a mesa ao chão, com um martelo parti a estante toda, a cadeira foi a voar pelas escadas.
Parei, olhei à volta. Já nada estava arrumado, não havia caixas nem estantes nem armários nem arquivos nem dossiers.
Respirei fundo. Agora posso começar.
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