Acordava de manhã cedo, bem cedo. Demorava muito tempo a arranjar-se para ir trabalhar. Primeiro retirava o produto branqueador dos dentes que uma amiga lhe tinha trazido do estrangeiro. Depois o pequeno-almoço, sempre em casa, na enorme mesa da casa de jantar que ainda pagava em suaves prestações mensais. Com o seu roupão cor-de-rosa, o cabelo já penteado, e na cara a substância pastosa da máscara daquele dia. Comia com calma, sem pressas. Odiava correr de manhã. Arrumava a cozinha, arrumava o quarto, escolhia a roupa com cuidado. O duche também era lento e acolhedor, para acordar o corpo e a mente. Tinha lido numa revista que este era um dos primeiros rituais de paz diária para mulheres facilmente impressionáveis com tais verdades absolutas.
Enxugava-se vigorosamente, com uma toalha com propriedades esfoliantes comprada por catálogo, já não sabia qual deles. Espalhava o creme anti-envelhecimento nos braços, na barriga o creme redutor e nas pernas o anti-celulítico da praxe. Passava o creme dos olhos, aquele boião pequeno espelhado com elementos marinhos e o creme anti-rugas para peles mistas a oleosas no resto da sua cara mimada. Punha com algum sofrimento necessário as lentes de contacto com suaves reflexos de azul para esconder os olhos castanhos. Os dentes eram lavados com toda a precisão, primeiro a escova, depois o fio dental, depois o elixir. Vestia-se com cuidado para não amachucar a roupa neste processo difícil que era tentar sair de casa de manhã. Agarrou no secador e na escova redonda metálica e, concentrada, reformulou o cabelo como sabia que era a moda naquela estação. A cor aplicada no cabeleireiro era a ideal, estava orgulhosa de si mesma.
Agora era a sua parte preferida.
Escolheu a base e o anti-olheiras para aquele dia.
Primeiro a base, com a esponja especial que lhe tinha custado mais do que seria de esperar.
Depois com cuidado o anti-olheiras debaixo dos olhos.
Depois o iluminador nos sítios chave.
Depois o eyeliner e o risco nos olhos, a sombra cor-de-rosa a dar com o vestido escolhido.
Depois retocava o eyeliner e o risco.
Depois o rímel nas parcas pestanas.
Depois o pó solto para uniformizar a palete de cores da sua cara.
Depois o blush para acordar as bochechas.
Depois o batom também cor-de-rosa. Beijou ternamente um pedaço de papel higiénico como tinha visto inúmeras vezes nos filmes.
Finalmente o gloss.
Estava pronta para sair de casa. Pegou no casaco e na carteira e saiu. Passou pelo quiosque a comprar as revistas que tinham saído naquele dia, várias com várias celebridades nas capas e letras chocantes que revelavam vidas mundanas e dramas telenovelescos, e noutras com chamarizes irresistíveis como “Seja feliz em doze passos”.
Abriu a porta do carro. Sentou-se. Era hoje que ia conhecer o seu homem, o seu príncipe encantado. Tinha a certeza, estava pronta.
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